22 maio 2008

CARTA ABERTA AO MAGNÍFICO REITOR PRO TEMPORE ROBERTO AGUIAR, AOS CONSELHEIROS DO CAD E À COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Brasília, segunda-feira 19 de maio de 2008.

CARTA ABERTA AO MAGNÍFICO REITOR PRO TEMPORE ROBERTO AGUIAR, AOS CONSELHEIROS DO CAD E À COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA

Assunto: Reunião do CAD e Comissão Disciplinar da UnB / Estudante Rafael Ayan

Apresento pela primeira vez em anos a satisfação em poder me dirigir ao atual reitor da universidade reconhecendo sua legitimidade como fruto de uma grande mobilização e anseios por uma nova universidade, ainda que a composição do atual Conselho Universitário (CONSUNI) não seja democrática em sua plenitude pela ausência da paridade. Desde o golpe que a comunidade universitária sofreu na reunião do CONSUNI de 2005 – o qual fui testemunho – que supostamente definiria as regras para as eleições para reitor à época – houve denúncias de abusos, votação se iniciando antes do horário previsto, conselheiros impedidos a entrar e agressões por um efetivo de seguranças desnecessariamente convocado, resolvi não reconhecer o último reitor renunciado devido estas manobras eleitoreiras. De fato, no começo de 2006, quando iniciava os dois anos como professor substituto lotado no Departamento de Botânica, disciplina Fisiologia Vegetal, me recusei em representar meu pai, falecido há dez anos, na cerimônia em que ele e minha mãe, ambos antigos professores e fundadores do Instituto de Psicologia seriam homenageados como professores eméritos desta universidade. Esta recusa ocorreu em função da possibilidade do recebimento em mãos da outorga através de um reitor que eu não considerava moral e democraticamente legítimo, além de uma política de gestão equivocada e incompatível com os preceitos pétreos da Constituição, que asseguram a universidade pública, de qualidade e comprometida com os anseios da sociedade. Nada me arrependo, de cabeça erguida. Deu no que deu. Enquanto o tempo dos capitalistas é uma reta e está estragando o mundo, o dos revolucionários, incluindo os espirituais, é uma curva.A reconquista da universidade através dos estudantes, em especial da ocupação da reitoria, trouxe uma nova reitoria, ainda que pro tempore. Permita-me comentar, que, entre nós, Magnífico Reitor, temos algumas coisas em comum, dentre elas o amor a esta universidade. Compartilho aqui alguns sentimentos de forma pessoal, pois muitas teorias coletivistas não conseguem visualizar que a opressão contra o indivíduo gera toda a opressão social. Há pouca diferenciação entre personalismo e personalidade, individualismo e individualidade. Pois bem. Passeio pelos corredores da universidade desde 1975, quando meus pais chegaram à UnB e ajudaram a fundar o Instituto de Psicologia. De fato, depois que meu pai faleceu, não sinto tanto sua falta porque descobri que a própria UnB o representa muito. Assim, quase diariamente o vejo aqui através de seus valores e suas idéias, representados por estes concretos caminhos. Mesmo que eu tenha decidido pela Biologia, sua contribuição e legado como psicanalista me ajudou a enxergar o mundo numa visão mais humanista. É indubitável a importância da psicologia para a política, mas é uma pena que alguns a utilizem de forma a construir políticas de gestão e projetos políticos pessoais. É também uma pena que nós entre a esquerda também não visualizemos a importância da psicologia na teoria e prática da política, numa visão não apenas social, mas psicosocial. E é importante ressaltar que estamos numa nova fase, o mundo agora deverá ser olhado e interagido através de um prisma ecopsicosocial, sob pena da humanidade ser extinta dentre em breve.Além, de biólogo, como também repórter fotográfico, em que no decorrer dos últimos anos também tenho tido a felicidade em registrar momentos marcantes da UnB, em especial do Movimento Estudantil, fotografei recentemente sua emoção em reencontrar e abraçar efusivamente o mais antigo funcionário desta universidade. Senti de forma muito sincera o apreço que tens pela universidade, e a dedicação ao desafio pela frente é fruto de sua antiga participação nesta universidade. Não concordo necessariamente com todas suas idéias, em especial quanto ao projeto Reuni, mas estamos todos juntos discutindo e caminhando para uma nova era, mais democrática, transparente e não persecutória. Vivenciamos durante os últimos anos uma política de gestão baseada em uma eficiente comunicação centralizadora das informações, e um discreto, mas presente processo de perseguição na UnB. Aliás, como tenho doado meu trabalho do registro fotográfico ao Movimento Estudantil (como Sebastião Salgado doou para o MST), no auge da ocupação meu e-mail foi grampeado e bloqueado para o envio de mensagens com fotos sobre a ocupação na reitoria, em geral encaminhadas para listas de discussão para a comunidade universitária da UnB. Meu telefone também foi grampeado. Algumas vezes algumas coisas são sempre muito estranhas, acho que você também tem compartilhado sentimentos semelhantes nos corredores da reitoria.
Mas não quero representar nestas linhas discussões teóricas ou meus problemas de informática. Venho através desta manifestar uma certa preocupação quanto a um fato que ocorrerá nesta terça-feira 20: uma reunião da Comissão Disciplinar da UnB, localizada no segundo andar da BCE (Biblioteca Central da UnB). A pauta desta reunião tratará sobre um processo que pode até mesmo jubilar o estudante Rafael Ayan Ferreira. Esta reunião terá como um dos testemunhos contra Rafael um estudante da UnB que tem um histórico peculiar e nada honroso para a Universidade de Brasília. Este provocador estudante foi acusado de racismo em 2005. Nesta época foi movido um processo contra ele pelo Ministério Público de São Paulo, sendo transferido depois para a competência do MPDFT. Seu nome é Marcelo Valle Silveira Mello e ele se tornou o primeiro réu a responder pelo crime de racismo na web. Curiosamente este ‘testemunho’ também é racker, e vem tentando destruir várias páginas de coletivos brasileiros que lutam contra o racismo (acessem os links abaixo). Ele estaria sujeito a uma pena entre dois e cinco anos de reclusão. Infelizmente a morosidade da Justiça brasileira permite com que ele continue sem nenhuma penalidade, respondendo ao processo em liberdade e ainda, pasmemos, sendo testemunho de um processo aberto pela própria UnB que nada fez contra as suas declarações enquanto estudante da universidade – declarações que fugiam do âmbito pessoal e partiam para a agressão a toda a comunidade acadêmica.O que nos espanta é que a Comissão Disciplinar estará se utilizando deste testemunho para condenar um estudante da UnB num processo um tanto quanto... estranho. Este processo estava engavetado há muito tempo e desde dezembro de 2007 não havia mais audiência marcada. Subitamente após a ocupação da reitoria pelos estudantes, ocupação que o estudante Rafael Ayan participou, esse processo foi rapidamente desengavetado. Cumpre ressaltar que o estudante Rafael Ayan está sendo julgado administrativamente pelo CAD, ou seja, está sendo duramente interpelado por dois lados: enquanto estudante, acusado de agressão por um estudante que nacionalmente é ícone em desavenças e provocador e, por outro lado, no processo de estágio probatório. Neste há despachos que em nada tangem a questão administrativa, mas tem como fim a agressão moral de Rafael Ayan.Marcelo Valle já admitiu em audiência ter xingado os negros de macacos e burros, alegando que não bastava roubarem bancos, agora roubariam vagas nas universidades. Marcelo, por vezes, disse que mataria com um tiro o estudante que o interpelasse para falar algo sobre o processo de cotas. Depois disso tudo, a Reitoria nada fez contra Marcelo, na estranha e contínua argumentação de que aguardaria a ação do Ministério Público. Desta maneira, pelo mesmo raciocínio, porque o mesmo procedimento não é efetuado com Rafael Ayan? Por que é convocado para testemunhar contra Rafael um notório racista, sendo que a UnB foi recentemente palco de escândalos de racismo apresentados e discutidos nacionalmente ? QUAL A RAZÃO EM PROTEGER MARCELO DE UM INEVITÁVEL JULGAMENTO INTERNO FAZENDO-SE VISTA GROSSA?Marcelo Valle acusou Rafael Ayan de agressão física também no Ministério Público. Perdeu a causa. Marcelo já disse que foi agredido por um grupo de estudantes do DCE numa tentativa de atingir a entidade representativa dos estudantes. Agora aproveita-se da perseguição política que a antiga Administração da UnB tinha e de certa forma ainda tem com Rafael Ayan para emplacar como vítima uma denúncia vazia, sem provas, efêmeras, quiçá concretas.Desta forma, venho por meio desta carta aberta alertar o Magnífico Reitor Pró Tempore, os Conselheiros do CAD e a comunidade acadêmica sobre a estranheza de alguns fatos que compõem a UnB. Vivemos atualmente numa transição entre ‘eras’ diferentes. Transições nunca ocorrem de forma linear e é de certa forma ‘natural’ recentes fortes reações do conservadorismo acadêmico diante das (re)conquistas da transparência e democracia. Mas a estranheza dos fatos de que falo se remete à possível proteção de Marcelo quanto à sua condenação interna, na convocação de um racista como testemunho de um processo vazio rapidamente desengavetado em pauta após a ocupação da reitoria. Isso merece uma profunda reflexão. E este fato não é nada bom internamente para a UnB e até mesmo perante a sociedade, se a mesma universidade vem tentando provar para a sociedade que está lutando contra o racismo. E na estranheza dos fatos reitero minha convicção pelo estudante e colega Rafael como íntegro e correto. Quiçá existissem não apenas um Rafael Ayan, mas existissem nas universidades e sociedade vários Rafaéis se colocando corajosamente contra o racismo e lutando por seus ideais, denunciando abusos, descobrindo sua importância como indivíduo e cidadão, edificando a idéia de coletividade e ajudando a resgatar a ética na construção de um futuro melhor para esta universidade e país.
Cordialmente,
Jacques Philippe Bucher*

* ·Mestrado em Botânica UnB 1999-2002
·Coordenador de Comunicação (colaborador) gestão AME DCE/UnB 2005
·Professor Substituto Fisiologia Vegetal (Depto de Botânica/IB) 2006 e 2007
·Professor Colaborador EIV/DEX 2008
Fontes:
CORREIO BRAZILIENSE-
Jornal de Brasília-
http://www.clicabrasilia.com.br/impresso/noticia.php?IdNoticia=290192

Campus On Line (em Indymedia/Uruguay)
http://uruguay.indymedia.org/news/2008/05/66441.php (nota: a foto não é a de Marcelo Valle)
"Quando um inseto invadir sua casa, antes de matá-lo, pergunte-se antes, quem invadiu primeiro, você ou ele" JPB

Um comentário:

Anônimo disse...

Se eu fosse voce tomaria cuidado com quem está se metendo. Sua vida nessa cidade talvez não tenha tanto valor como voce ache que tenha. È um país muito grande, as vezes as pessoas podem literalmente sumir, talvez consiga fazer do Cerrado sua habitação eterna, assim com os insetos, que passarão a morar dentro de voce.