25 abril 2008

Você tem fome de quê? - Parte I

Abaixo segue o primeiro de uma série de três manifestos e artigos de minha autoria (o terceiro nunca foi terminado e é muito grande) contra os transgênicos, lançados na campanha "Por um Brasil Livre de transgênicos" que fiz parte em 2003 ativamente com o GREENPEACE e o INESC. Entreguei em mãos o manifesto frente e verso para vários deputados, senadores, ativistas e cientistas presentes em um fraquíssimo seminário sobre os transgênicos no Senado, organizado pelo PT. Um deles foi o João Pedro Stédile, que fez uma brilhante explanação. Me mandou um email mais tarde pedindo que eu enviasse o mesmo por email. Desde então recebo diariamente emails do MST, todos muito bons, sobre agricultura, Reforma Agrária e crítica à biotecnologia. Outra excelente lista de discussão é a OGM-Portugal, sempre crítica à transgenia, a qual desde 2003 recebo em torno de 4 a 10 emails diários sobre os transgênicos. É muita coisa pra ler. Um cientista que gostei muito foi o Professor Mohamad Habib da UNICAMP, um dos poucos cientistas crítico à transgenia (a exemplo de nosso corajoso colega e especialista mundial em mandioca (Manihot sp) professor Nagib Mohammed Abdalla Nassar na UnB).
Esse manifesto repercutiu bastante em 2003, quando minhas referências ainda eram como biólogo formado pela Universidade Federal de Viçosa e mestrado em Botânica pela UnB. Naquela época eu ainda não era professor de Fisiologia Vegetal na UnB. E ainda era um iludido militante ambientalista do PT (independente). Pode se dizer que um dos grande fatores pela minha saída do PT foi a aprovação dos transgênicos, além do chá de cadeira e desrespeito que o deputado Gabeira 'levou' do José Dirceu quando foi tratar de questões ambientais, culminando na sua saída do PT e posterior retorno ao PV, (gosto muito do Gabeira e do PV, ainda que o PV faça uma coligações estranhíssimas e o deputado Gabeira tenha votado a favor da privatização das telecomunicações culminando na maravilha dos preços altos das contas de telefone, tenha sido a favor da venda da Vale do Rio Doce a preços módicos, mas tudo isso não tem nada a ver). Segue o texto abaixo:

“Você tem fome de quê?” Argumentos técnicos– Transgênicos

JPhilippe Bucher nemetscek@terra.com.br
01 dez 2003

Este manifesto também é um protesto pelo boicote que a imprensa e mídia televisiva promoveram sobre a aprovação da resolução proibindo os transgênicos no país, na I Conferência Nacional do Meio Ambiente, ocorrida domingo dia 30 de outubro. Nada até o momento foi veiculado.

۰Ocorreram milhões de anos na evolução e no estabelecimento dos genes. A criação de organismos geneticamente modificados deveria ser testada durante pelo menos 100 anos, caso a caso, pois o tempo de 5 ou 10 anos de pesquisa e liberação para comercialização é ínfimo na escala evolucionária dos organismos vivos e frente às possibilidades de impacto ambiental ou saúde alimentar.

۰Os genes podem controlar muitas funções que ainda simplesmente não são conhecidas. Quando um único gene controla mais de uma função, isto é denominado pleiotropia. A grande maioria dos genes é pleiotrópico. Estas funções podem acontecer, dependendo do ambiente, em tempos variados, quer sejam efeitos secundários imediatos, ou dentre 10, 100 ou 1000 anos. Desta maneira, os atuais períodos de estudos de risco dos transgênicos são insignificantes perante o tempo da evolução dos organismos.

۰O argumento pró-transgênico para liberação de que não há trabalhos conclusivos sobre efeitos nocivos dos transgênicos é falso. Se não existem provas conclusivas em impacto ambiental, na verdade por isso mesmo é que os transgênicos não deveriam ser liberados. O tempo da natureza humana (cultural, social, econômico) é diferente do tempo natural (demais espécies biológicas e interações).

۰O país é megabiodiverso, tem o maior patrimônio genético mundial e por esta condição deveria priorizar as pesquisas para a manutenção e conhecimento de seus recursos naturais, e não investir em tecnologia de transgenia. A lógica das pesquisas em biotecnologia está invertida, pois deveriam ser priorizadas as pesquisas no conhecimento da biodiversidade (presente) ao invés de priorizar as pesquisas em biotecnologia moderna (futuro), já que grande parte da biodiversidade está sendo perdida.

۰Quando um gene é inserido em um organismo e este organismo é liberado na natureza, não é possível fazer ´recal’, isto é, “chamar de volta” o organismo como um produto defeituoso que não deu certo, para conserto. As atuais pesquisas de impacto ambiental não garantem que os organismos geneticamente modificados sejam seguros pois os parâmetros e métodos de avaliação ainda são limitados.

۰Em uma perspectiva ampla o retorno social dos OGM é ilusório pois não há indícios econômicos de que as comunidades tradicionais, indígenas e sociedade venham a ser beneficiadas neste processo biotecnológico, o que se assemelharia à experiência da revolução verde adicionado às leis de patente.

۰Em cada tipo de ambiente (clima, solo, interações ecológicas) os organismos biológicos se adaptam de forma única de acordo com o ambiente. Biólogos com boa formação reconhecem que as formas de adaptação dos organismos são relativas aos ambientes ao qual estão inseridos. Se este mesmo organismo é readaptado em outro ambiente a funcionalidade da expressão de alguns genes pode ser alterada (deixando de expressar ou mesmo passando a expressar uma (ou mais de uma) função biológica primária ou secundária).

۰A peculiaridade de cada espécie GM difere no grau de risco que pode apresentar ao meio ambiente. Assim, os microrganismos transgênicos potencialmente podem apresentar maior perigo ambiental pois apresentam maior facilidade de deslocamento e 'transporte' do que por exemplo um camelo transgênico. Os OGMs também se diferem de acordo com sua interação no ambiente no qual estão inseridos.

۰Quando um OGM é reintroduzido em outros ambientes os parâmetros de avaliação de impacto ambiental realizados na pesquisa original não poderiam ser considerados se este OGM é introduzido em outro ambiente muito diferente (uma variedade da soja geneticamente modificada pesquisada nos EUA que é introduzida na Ásia ou Austrália por exemplo).

۰A pressa na liberação dos transgênicos deve ser levada em conta como parte de uma ideologia, pois a pressão e a urgência na liberação dos OGMs é muito suspeita (?).

۰Há alimentos suficientes no mundo para atender a demanda da fome, mas não existe vontade política para isso. O argumento de que os alimentos transgênicos solucionarão a fome mundial é uma falácia pois a revolução verde não resolveu.
Inversões de lógica: Não são os alimentos que tem que aumentar porque a população mundial está aumentando, mas sim a população mundial que tem que começar a diminuir, e isto quer dizer criar e facilitar condições mínimas para o exercício da dignidade humana nas populações menos favorecidas, e não simplesmente aumentar a produção de alimentos se as comunidades não terão acesso. (Não é necessário criar uma bactéria transgênica para degradar o plástico, é necessário fabricar e descartar menos plástico.)

۰A grande maioria dos pesquisadores não é comprometida com aspectos políticos e não tem muito conhecimento sobre os movimentos sociais. O pensamento predominante é de purismo e tecnificismo: ciência não deve se aliar à política. Este argumento é estranho pois não existe neutralidade na ciência se esta já é realizada pelo ser humano. Como organismos vivos que somos, possuímos propósitos, dentre os quais o básico instinto da luta pela sobrevivência (ainda que nos seres humanos os mecanismos deste instinto são diversificados). O método científico pode ser neutro (uma régua tem o mesmo tamanho em todos os países), mas a partir do momento em que se formula uma pergunta científica para ser comprovada, esta já é imbuída de parcialidade. Neutralidade científica é utopia.

۰Para aqueles que argumentam que não existem trabalhos científicos sobre impacto ambiental dos transgênicos, na verdade já existem muitos estudos e trabalhos preliminares de risco ambiental e comparação de produtividade, apenas são pouco divulgados. A maioria das pesquisas, contudo, está sendo gradativamente direcionada para a transgenia pois existe um fascínio em relação à tecnologia de OGMs na maioria dos pesquisadores de biotecnologia, o que tem provocado um grande vácuo na formação de pesquisadores para o reconhecimento da nossa fauna e flora.

۰O argumento de que o país ficará atrasado se não liberar os OGMs não leva em consideração que pelo fato desta tecnologia ser muito recente, se o Brasil se declarar como área livre de transgênicos poderia estar acompanhando como observador os outros países que se posicionaram a favor. O acompanhamento à distância desta tecnologia fornece à sociedade brasileira mais elementos para uma nova discussão sobre os transgênicos no futuro, de forma mais amadurecida e com mais subsídios de acordo com as experiências dos outros países. O que não podemos aceitar é nos incluirmos como cobaias de uma tecnologia recém formada, apenas porque as multinacionais dos outros países querem assim ou porque o lucro dita as regras.

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