10 julho 2007

O Professor

Segue uma crônica minha quando eu era professor da Faculdade Objetivo, em 1999. Naqueles tempos modernos Bamerindus, tempos difíceis. Espero que meus atuais alunos que vão ler esta crônica saibam compreender o espírito desta crônica e não me levem a mal. Mas o que é uma crônica? Seu recurso estilístico é a distorção da realidade, numa produção curta e subjetiva diante de um fato qualquer. A linguagem das crônicas é muitas vezes descompromissada e coloquial, com muitas doses de ironia, humor e crítica. Oscila entre o jornalismo e a literatura. O cronista por natureza vai relendo seu cotidiano na cabeça, transformando as duras situações com boa dose de humor. Não sei se perceberão, mas minhas crônicas são sempre acompanhadas de passagens musicalmente cadenciadas, uma vez que a música sempre foi uma constante para mim. E muitos erros são mesmo propositais, quebrando a Academia.

O Professor
J. Philippe Bucher

"As aulas que mais tenho gostado de lecionar são as aulas de inglês, eles são uns amores. O que é um pouco puxado são as aulas de Botânica. Eles são uns capetas. Trabalhar é muito interessante, dar aula então acaba sendo um estudo sociológico. A gente fica conversando sobre a matéria, que foi preparada para tal, e observando os alunos. Claro, sim, tem sempre aquele que chega atrasado mesmo, incorrigível. E aquele que fica te olhando com cara de sono? Parece que trabalhou ou dormiu o dia inteiro. Mas tudo bem, ossos. Mas a gente como professor, tem aquele outro lado, não dá para deixar de observar aquela bem ali, olhos amendoados, nariz mais afilado, muito lindinha mesmo. Sair com ela? Não acho que não, talvez com a turma pra tomar um chopinho. Mas o ruim mesmo é quando todos perguntam ao mesmo tempo na hora da prática, você louco pra acabar a aula e ela acabou de começar. O microscópio não funciona. Falta giz. Tem um aluno que te chama porque não fez uma prova com a outra professora, aquela, justamente a que você está substituindo. O que é isto aqui? Diabos, não me lembro de ter estudado isto. Um tecido de células meio estranhas, nunca vi. De vez em quando, é sempre assim. A gente se prepara para a aula, estuda A e B, eles te perguntam C e D. As vezes até alfa e beta. O que faço Deus do Céu? "Olha, aí você já tá entrando num campo muito complexo, só mesmo a nível de pós-graduação para entender isso." Mas sempre tem aqueles alunos, mais aplicados e interessados, estes sim, já estão passados. Acaba a aula e você louco pra querer ir embora, eles te perguntam sobre tudo. Tudo bem. Em nome da ciência. E a ciência do meu estômago roncando. Que ciência Meu Deus, paciência. Eles me revelam coisas surpreendentes. A outra professora era muito nervosa. Tudo bem. Bastante estressada. Tudo bem. Saiu porque a turma era bagunceira. Deixa pra lá. O celular toca. Justo praquela menina lindinha? O celular toca novamente para o cavalheiro sentado na esquerda. Pedir para eles não deixar tocar o celular? O meu tocou outro dia em plena aula, esqueci ligado. E a turma do fundão? Do fundão ou do funil, sei lá, tudo começa com efi, acaba sendo a mesma coisa. Outro dia fiz uma experiência. Cheguei mais cedo, escrevi a matéria cuidadosamente no quadro, letras garrafais, sabe, sou míope. Deixei eles copiarem, Meu Deus, quanta demora. Mas tudo bem, muitos trabalham de dia. E muitos estão conversando também. Ameaço explicar a matéria. Acaba de chegar mais um. E mais outro. E mais outro. Não vai parar? Começo a explicar a matéria do fundo da sala, empunhado com uma caneta laser. Chega mais um. Ameaço furá-lo com o laser. Brincadeira. Até que estão se comportando bem. Mas na fileira exatamente ao lado dois começam a conversar. Copsfardeco. Sei lá essa era uma palavra em alemão que minha mãe sempre falava. Não que ela fosse alemã, coisa de professores. Será que eu vou ser assim também? E quando me chamam de professor? Disse que me chamassem pelo meu nome. Professor, tem mais roteiro? Na direção só me chamam de professor. Na direção. Na cantina, banheiro, corredor, todos, guardas a serventes. Até no teatro outro dia. Não vão parar? Nem casado sou. No primeiro dia estranhei. Mas confesso que fiquei lisonjeado. Professor. Aquele que professa alguma coisa. Um dia ainda vou procurar num desses dicionários etmológicos. O tempo acabou. Tenho que preparar a próxima aula. A gente acaba descobrindo que gosta de dar aulas. Quando é mesmo a aposentadoria?"

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