23 abril 2008

ESTÁGIO DE RESIDÊNCIA SOCIAL

O texto abaixo foi escrito também em 2003 e entregue em mãos para vários políticos e especialistas em educação, dentre eles, o então à época Ministro da Educação Cristovam (no primeiro governo Lula) e Marilena Chauí. Ambos estavam num seminário de educação, se não me engano promovido pelo PT. Este seminário ocorreu concomitantemente aos volumosos e violentos protestos dos trabalhadores na frente do Congresso Nacional, contra a Reforma da Previdência. Foi encaminhado para várias listas de discussão e na semana seguinte também foi protocolada a entrega no Ministério da Educação para que o mesmo ministro recebesse oficialmente. Como provocação ao debate, inseri um belíssimo texto de Ben Okri, do seu livro Arcadia (Phoenix House, 2002), sobre idealismo. Interessante colocar aqui que no protocolo do ME eles tiraram esta mensagem, achando por melhor arrancar a contra capa que continha esta mensagem inicial. Anos mais tarde a UNE apresentou proposta semelhante ou com nome próximo ao de Estágio de Residência Social. O texto pode estar desatualizado ou pedagogicamente incipiente, mas deixo o mesmo para ser lido na forma original:

"Idéias

“Se você acredita em algo, sua própria crença o torna desqualificado para fazê-lo. Sua dedicação vai transparecer. Sua paixão vai se revelar. Seu entusiasmo deixará a todos nervosos. E sua ingenuidade irá irritar as pessoas. O que significa que você se tornará suspeito. O que significa que você será propenso a desilusões. O que significa que você não será capaz de sustentar sua crença diante de tantas piranhas que corroem sua idéia e sua fé, até que reste apenas um esqueleto do seu sonho. O que significa que você tem de se tornar um fanático, ou um tolo, uma piada, um estorvo.
O mundo ­– ou seja, os poderes estabelecidos – ouviria suas ardentes idéias com um sorriso frio no rosto, depois levantaria obstáculos impossíveis, vendo você finalmente desistir de sua preciosa idéia, após tê-la mutilado de forma a ficar irreconhecível e, depois que você sucumbisse profundamente desencorajado, ele vai pegar sua idéia, lustrá-la um pouco, dar-lhe novo ângulo e, então, irá passá-la para alguém que não acredita nem um pouco nela.”
De: Ben Okri, Em Arcadia (Phoenix House, 2002
)

Brasília, 24 de março de 2003.

Contexto:
“Em um de seus discursos, o ministro da Educação, Cristovam Buarque, reclamou por mais propostas por parte do Movimento Estudantil, e desde que assumiu o ministério, estaria aberto a novas propostas. A idéia do Estágio de Residência Social não é, contudo, nova, mas ela deve ser relembrada, inclusive para auxiliar no projeto de alfabetização universitária. Se esta idéia começar a dar certo nas universidades públicas, as universidades particulares vão atrás”

Pré-proposta: Estágio de residência social
Sujeito: Estudantes universitários
Encaminhando: Ministro de Educação Cristovam Buarque

Ao Sr. Ministro Cristovam Buarque,

Os estudantes de graduação das universidades federais vem sendo motivo de discussão sobre sua permanência nas universidades do país, que desde o início da década de 90 vem atravessando uma séria crise financeira. Entende-se como crise financeira o repasse cada vez menor de verbas necessárias para o funcionamento das instituições públicas de 3º grau, por medidas oriundas da ideologia do neoliberalismo, embora outras questões possam estar envolvidas. Esta crise reflete no ensino, no academicismo e também na idéia que se formula sobre a função das universidades públicas deste país. Além do papel social das universidades estatais, as universidades pagas, sob o título de cátedra filantrópica, também vem sendo ponderadas. Estas, vêm deixando muito a desejar, como tem sido demonstrado através dos resultados dos exames do provão e manifestações cada vez mais contundentes dos estudantes sobre as más condições de ensino.
Em relação aos estudantes das universidades públicas, argumentou-se durante muitos anos que são em grande maioria oriundos da elite porque apenas os jovens mais abastados tiveram e têm acesso ao melhor do ensino básico, médio e reforço com cursos suplementares, assim como os estudantes das universidades pagas. Esta constatação é um fato, mas a simples taxação dos estudantes que teriam condições para pagar uma mensalidade não resolveria a situação econômica das universidades públicas. Ainda por cima, pelo próprio conceito das universidades públicas, a universalização do conhecimento e a distribuição da produção deste conhecimento, torna-se a proposição da taxação antiética, responsabilizando-se principalmente a classe média pelo fracasso do papel social das universidades. Diante do potencial do conhecimento produzido e reproduzido nas universidades, sua aplicação para a sociedade tem sido irrisória. A tão sonhada ‘emancipação’ e autonomia das universidades não respondem aos anseios dos inúmeros problemas, muitos ainda básicos, que a sociedade brasileira sempre enfrentou, enfrenta e enfrentará se soluções mais contundentes não forem tomadas, levando-se a coragem para implementá-las.
Como uma das soluções para reverter o quadro de desconfiança às universidades e aos estudantes ‘da elite’, propõe-se a implementação e cumprimento do estágio de residência social.O tipo de estágio conhecido como ‘residência’, é uma probação conhecida do curso de Medicina, como uma última etapa para a especialidade médica, estendendo aos estudantes uma preparação mais próxima da realidade, tendo como objetivo e conseqüência o acúmulo de experiência. Na Universidade de Brasília (UnB), alguns cursos como Psicologia, Farmácia ou Biologia adotam sistematicamente formas de estágios monográficos ou pesquisa no último ano da grade curricular, também pela função probatória.
O estágio de residência social é conceitualmente mais profundo, uma vez que o objetivo principal é a aplicação do potencial mal aproveitado das universidades através da parelha ensino-extensão. No último ano de cada curso universitário os estudantes das universidades proporcionariam juntamente com o corpo docente um ano de estágio social em um projeto de caráter desenvolvimentista, proporcional ao seu curso, voltado para a sociedade, aplicando-se o aprendizado academicista na prática dos saneamentos dos problemas brasileiros. Este caráter poderá perpassar pelos problemas básicos como a alfabetização, em um primeiro momento, mas progressivamente não deverá restringir-se à apenas esta matéria.
O jovem recém formado de uma universidade é a melhor mão de obra para atuar em um mercado: possui o conhecimento mais recente para colocar em prática no mercado de trabalho porque teve acesso as últimas atualizações teóricas; por ser jovem, é idealista por natureza (mesmo não sendo tão jovem, acaba de sair de um ambiente por si idealista), assim tendo vontade de mudança; e sendo jovem em sua maioria, tem vigor. Em suma, apenas não possui experiência prática. Falta então, um contato com o trabalhador maduro e mais experiente, e sobretudo, falta contato com a grande realidade brasileira. Uma pilhéria no meio universitário diz que a universidade é ‘uma grande ilha da fantasia’, e que ‘o mundo lá fora é diferente’.
A grande diferença entre o estágio de residência social e os outros projetos semelhantes de caráter assistencialista, é o cunho cogente, racionalmente necessário, da importância para a sociedade e para o indivíduo que o está implementando. A obrigatoriedade desta etapa no processo de formação do acadêmico é imprescindível face às nossas dificuldades sociais, oriundas do pensamento liberal e de erros históricos. Alguns fatores argumentam a obrigatoriedade. O princípio jurídico da razoabilidade pode ser contextualizado pelo antagonismo dos problemas sociais e o esperdício do potencial das universidades. A socialização tem como conseqüência direta a humanização dos envolvidos, adverso ao poder de alienação propiciado pelos meios de comunicação do mundo ocidental. A progressiva diminuição dos recursos naturais, ao contrário da mentalidade de ‘provisão constante’, também é um fator a ser considerado, para que os acadêmicos possam sentir a responsabilidade que os cerca, do ambiente ao seu redor. Esta inserção do acadêmico no projeto social indica sua responsabilidade pelo ambiente que o circunda.
A obrigatoriedade desta etapa no processo de formação do acadêmico é o grande diferencial dos outros projetos voluntaristas, pela gravidade dos problemas sociais deste país, que exigem a implementação de desenhos mais profundos para suprimir futuras convulsões sociais na salvaguarda das gerações vindouras. No caso dos universitários das estatais, uma vez que os recursos gastos com os estudantes são motivo de polêmica, a idéia do estágio de residência social é proporcional ao retorno dos recursos gastos nas universidades, em cuja adequação e competência do estágio probatório constituiriam valor inestimável na formação do aluno e para a sociedade. No caso dos estudantes das escolas pagas, o estágio de residência social se formaliza na certificação da idéia de filantropia concedida pelo estado na própria função e existência das universidades pagas.
A idéia do proposto estágio não pode ser considerada imperativa ou ‘estalinista’ uma vez que a dita obrigatoriedade apenas poderá ser implementada quando o pretentende a aluno de uma universidade, no ato de sua inscrição do Programa de Avaliação Seriada ou vestibular, assuma declaratóriamente o compromisso de retorno social através do estágio de residência social. Portanto, se a idéia do estágio de residência social fosse constitucionalizada hoje, poderia apenas ser implementada daqui a cinco anos, através da formalização dos termos assumidos por cada estudante. Isto quer dizer que este projeto não poderia ser estendido aos atuais estudantes pela ausência dos termos de compromisso (e é claro um amplo debate com a sociedade). Esta idéia não pode ser considerada uma proposta mandatária uma vez que o pretendente a aluno tem a opção em seguir uma diferente carreira, no qual o investimento e retorno social seja menos elevado.
Um outro aspecto a ser considerado é a proposta da diferenciação dos estágios a serem cumpridos pelos estudantes das universidades públicas e pagas. Aos acadêmicos das instituições pagas também seria facultada a opção da realização do projeto desenvolvimentista através de instituições privadas. Entretanto isto deve ser motivo de ampla discussão, bem como outras questões (tempo da realização, somente um semestre ou apenas um ano ou mais; exclusivamente no último ano ou antes; remunerado ou não ou apenas amplo apoio logístico; questões jurídicas, éticas, e outras).

Jacques Philippe Bucher*

–independente

Estudante recém formado em Botânica, UnB

nemetscek@terra.com.br"

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